Antes de ser apedrejado como bem dissertou meu irmão Vinícius neste texto aqui,
gostaria de explicar ao leitor o porquê deste título e o porquê deste tema.
Refletindo diariamente sobre qual assunto deveria abordar, não encontrava nada que me enchesse de motivação e inspiração. Sem assunto não há texto! Eu pensava: “Devo tratar de um assunto polêmico ou mais brando? Devo utilizar tal e tal linguagem ou essa outra? O que será que ninguém falou ainda? Eu quero fazer diferente!”.
E, recentemente, lendo um livro de um sociólogo chamado Gaston Bachelard, em dado momento, ele solta esta frase: “Diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber.” Percebi então que o mais impactante para cada um de nós é perceber que enfim o mundo não é como pensávamos ser, ou, as ideias que tínhamos não são as corretas. Digo ainda mais: mais que ideias, temos costumes inquestionáveis, opiniões “irrefutáveis” e crenças etnocêntricas que de certa forma (ou de todas as formas), nos impedem de enxergar a verdade, o real. Somos tão apegados ao que cremos, aos nossos costumes e jeitos, que, quando confrontados com o que realmente é absoluto, tendemos a ignorá-lo.
É interessante citar que qualquer opinião ou ideia ou costume 100% humano, à luz das Escrituras se faz pó.
“Aaaah Caio, mas ainda não entendi o que tem a ver a heresia no título com essa filosofia barata!” Calma padawan, o texto começa agora.
Vamos separar nossa linha de pensamento por partes. O que cremos saber sobre a cruz de forma resumida? Ajudem-me:
- Cristo a carregou até o monte Gólgota. (Jo 19.17)
- Foi pregado nela pelos pulsos (mãos) e tornozelos (pés) (Jo 19.18)
Apenas isso? Sim, se analisarmos a bíblia literalmente, só aparecem três cruzes físicas em toda a Escritura, a de Jesus e a dos dois ladrões. Mas... No sentido figurado podemos encontrar ainda outras cruzes:
- O próprio Jesus nos exorta a cada um de nós crentes a carregar sua cruz, querendo indicar que todos devemos sofrer por Deus na terra. (Lc 9.23-24)
- Vários textos nos dizem que a cruz é que nos redimiu com Deus, que a cruz é a ponte, pois foi lá onde Jesus padeceu. (Ef 2.16)
- Autores do Novo Testamento usam o termo “cruz” como se fosse a causa, como se a cruz abrangesse todo o plano de Deus para a redenção do homem. (Fp 3.18)
Ok, acho que conseguimos resumir. Mas o título aborda ainda um outro elemento simbólico da fé cristã. A coroa, no caso, de espinhos. Essa é um pouco mais fácil, vamos tentar relembrar o que entendemos quando ouvimos falar nesta peça, logo no sentido literal e figurado:
- Os soldados teceram uma coroa de espinhos e a puseram na cabeça de Jesus como forma de escárnio por ele se dizer rei dos judeus. A coroa simboliza a humilhação de Cristo de se tornar homem sendo um Deus tão grandioso, a ação de se esvaziar da sua glória e forçar uma divindade infinita a caber em um corpo corruptível e imoral. (Jo 19.2,5)
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Você usaria? |
Encerramos essa linha de raciocínio. Entendemos como, de uma forma geral, os crentes costumam interpretar e aplicar estes símbolos nas suas teorias e como costumam viver por elas. De uma forma mais profunda, se chegarmos a alguém firme na igreja, um santo verdadeiro, temente a Deus e perguntarmos o que quer dizer a Cruz e a Coroa, ele vai dizer a mesma coisa, com outras palavras que Spurgeon: “Será que um homem que ama o seu Senhor estaria disposto a ver Jesus vestindo uma coroa de espinhos, enquanto ele mesmo almeja uma coroa de louros? Haveria Jesus de ascender ao trono por meio da cruz, enquanto nós esperamos ser conduzidos para lá nos ombros das multidões, em meio a aplausos?”. E prontamente citaria Lucas 9.23, 2 Timóteo 3.12, Hebreus 11:32-38, 2 Coríntios 12:10, Filipenses 3:8 ou Atos 5:40, afirmando que é necessário sofrer por Cristo aqui na terra. Que é necessário ser perseguido pelos ímpios. Que é necessário (resumindo tudo), carregar sua cruz.
Mas será que o necessário sempre é o essencial?
Podemos ora, achar necessário comer fora todas as noites, mas, o que de fato é essencial? A comida. Assim como podemos também achar necessário sofrer por amor a Deus (e de fato é), mas, o que é essencial? O que Deus nos diz ser essencial? Se você até aqui chegou, reflita um pouco. O que nosso Deus quer? Que soframos ou que amemos?
Vamos encarar o fato de carregar a cruz um ato público. Quem sofre por Cristo geralmente abandona família e amigos, é ridicularizado no trabalho, na escola, é tido como “o moralista” no seu círculo de relacionamentos, recebe apelidos, piadinhas, etc. Acontece que tem gente que faz disso seu motivo de vida, não fala de outra coisa e bate no peito (mesmo que em pensamento) pra dizer que sofre mais perseguição do que outros. Esse tipo de pessoa é aquele que sempre procura uma forma de encaixar o seu sofrimento como testemunho ou simplesmente como história de vida, que na primeira oportunidade em grupos de estudos, conversa de amigos, roda de conversa na igreja, logo tem um causo pra contar. Seja sobre uma piada que recebeu no trabalho, ou sobre quando foi evangelizar um colega de faculdade e hoje esse colega não fala mais com ele, e por aí vai. E sempre depois ainda fala: “Mas graças a Deus por isso”.
A insuficiência da cruz do título trata-se na verdade da nossa cruz. Trata-se em resumo, da não essência do sofrimento por Deus. É necessário? É muito. Mas não é o essencial. Não foi pra isso que Jesus veio primariamente. Isto é uma consequência.
A mesma coisa sobre a coroa. Existem aqueles que usam uma coroa de espinhos e seguem exibindo-a por aí, como se ser humilhado em favor de Deus o fizesse mais amado por Ele ou mais crente do que os outros. Novamente volto a repetir: a humilhação faz parte da vida cristã, mas não é a essência. Segue então a história de Márcia e Joel:
“Márcia e seu vizinho Joel estavam brincando de desenhar no quintal. Ficaram ocupados durante alguns minutos com os lápis de cor quando Márcia olhou para o desenho de Joel.
- Que desenho mais bobo!
- Não é bobo, não.
Em seguida, Joel baixou a voz e perguntou:
- Por que o achou bobo?
- Isso aí não é uma igreja com pessoas orando? -perguntou a Márcia.
- É - respondeu o menino.
- Então por que você desenhou um sorriso em todas as pessoas? Todo mundo sabe que as pessoas são tristes na igreja!
- São mesmo?
- São sim. Eu ri na igreja do Pedrinho uma vez e gritaram comigo. Acho que Deus não gosta que as pessoas riam na casa dEle. E quando você fala com Ele, deve abaixar a cabeça e ficar muito triste.”.
Infelizmente, alguns cristãos têm feito a sua vida parecer amarga, cinzenta, triste e incolor. Muitas pessoas têm a noção de que Deus não quer que você sorria; que a felicidade é totalmente proibida e que ser um cristão significa estar sentenciado a uma vida de muita tristeza.
O que seria então a essência do viver cristão, uma vez que carregar a minha cruz e usar minha coroa de nada serve?
Jesus diz em Lucas 10.27 quando questionado sobre como herdar a vida eterna: E, respondendo ele, disse: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.”.
Perceberam algo de semelhante nas duas ações? Exato, o verbo é amar. A essência do cristianismo, novo ou velho testamento, se resume em amar a Deus e em seguida o próximo. Sem querer entrar no mérito de tipos de amor e diferentes traduções do grego, quero apenas frisar que sem amor, não há cristianismo. Se todos os nossos atos, começando do mais ínfimo até o mais colossal não estiverem revestidos, transbordando de amor, de nada serve. Nem mesmo carregar uma cruz por quilômetros ou usar uma coroa e receber cusparada no rosto podem ter alguma serventia pra Deus se não tiver amor. Na realidade, esses atos iniciados e perpetuados pelo Messias só foram tão importantes e imponentes porque foram feitos por e com amor. Mas não qualquer amor. Era (e é) um amor tão profundo que ultrapassa as barreiras do nosso entendimento. Dizem que a imaginação não tem limites, mas assim como você não pode imaginar uma nova cor, não pode entender o amor de Deus, apenas aceitá-lo. (Jo 3.16)
Como você vive? Ostentando sua cruz pesadíssima e sua coroa espinhosa ou amando a Deus? Lembre-se que Jesus não parou de arrastar sua cruz no meio da rua pra chorar e lamentar, como também não gritou quando estava sendo duramente espancado: “OLHEM MINHA COROA! ESTOU SOFRENDO TANTO!”
Ele suportou tudo com muita tristeza e humilhação, mas também com alegria no coração por estar agradando ao Pai. (Lc 22.42)
A ti te interessa ser humilhado publicamente e ganhar favores de homens ou suportar tudo com mansidão e agradar ao Pai?
Não te esqueças que se suportar essa coroa de espinhos com paciência, ganharás a coroa da vida na glória. Mas se achar que é por essa de espinhos que vale a pena viver, eu tenho péssimas notícias.
Que Deus nos abençoe e nos dê forças pra cumprir sua Palavra e amar sem soberba!