Há muito tempo, na minha postagem anterior (Semeando (se)mentes, é bom dar uma conferida), vimos uma introdução sobre o que é ser cristão, como isso acontece e como é fácil perdermos o foco depois do nosso segundo início. No final eu fiz um post scriptum declarando minha intenção de continuar a exposição do assunto. Pois bem, ei-la aqui.
"Removeu os altos, quebrou as colunas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em pedaços a serpente de bronze que Moisés fizera, porque até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e lhe chamavam Neustã." 2 Reis 18: 4
O contexto da passagem bíblica supracitada é o reinado de Ezequias em Judá. Ele fez o que era reto perante Deus e se apegou ao Senhor de tal maneira que a Bíblia conta como esse rei lograva bom êxito para onde saísse (2 Rs 18:7). Nesse cenário encontramos a continuação da história de Neustã, a serpente de bronze feita por Moisés para evitar a morte do povo de Israel no deserto.
Um relato rápido, muitas vezes ignorado pela maioria dos leitores, mas que pode nos ensinar muito.
O primeiro ponto sobre o qual refletiremos é a origem e o fim desta serpente. O começo de tudo foi numa caminhada sem fim no meio de uma terra árida e sem vida, onde ela foi levantada para livrar o povo da disciplina do próprio Deus por causa da murmuração (Nm 21: 4 a 9); e o final foi em meio a idolatria do povo, que deu um nome e queimou incenso a ela. Assim, entendemos que o mesmo objeto que foi motivo e meio de salvação (usado por Deus) para o povo, mais tarde também se tornou motivo e meio de condenação para o mesmo. Pois a idolatria é uma transgressão do primeiro e do segundo mandamento, e na antiga aliança a punição muitas vezes era a morte (Lv 20:2; Dt 18:20).
O segundo ponto consiste em entendermos o motivo de o relato das práticas citadas no texto inicial ser considerado idolatria. A questão é a seguinte: por quê queimar incenso à serpente e lhe dar um nome é idolatria? Resposta: o Senhor, na sua infinita sabedoria, deu uma série de regras de adoração para Israel; uma delas era a queima do incenso (Ex 30:1 a 10) que tinha como significado, por exemplo, uma oração que era ouvida por Deus (Sl 141:2 "suba à tua presença minha oração como incenso"; Ap 5:8 "...taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos...").
Também a relação entre aroma e olfato indicam a presença de vida, só o Deus Vivo poderia exigir tal forma de adoração, pois é Ele o criador da vida, do olfato e dos aromas. Por isso queimar incenso à serpente era idolatria, por que ela era um objeto inanimado, não tinha olfato e muito menos podia ouvir ou atender orações. Porém, as pessoas em busca de qualquer deus palpável, confundiram artesão com artesanato, criatura com criador, afinal de contas, pelo menos aquela serpente tinha feito alguma coisa pelo povo. Quanta enganação o coração humano pode conter!
O terceiro ponto é a aplicação disso tudo em nossas vidas. Antes é preciso recordar qual é a ligação desse episódio conosco, cristãos contemporâneos. Para tanto, temos que ir para o Novo Testamento, em João 3: 14 e 15, quando Jesus fala: " E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha vida eterna." Sim, nós temos uma forte tendência a imitarmos o povo de Israel em todas as suas loucuras. Da mesma forma que eles pegaram aquele objeto sem vida e lhe queimaram incenso, lhe deram um nome e lhe fizeram súplicas, também nós tendemos a fazer isso com o homem que um dia foi levantado no madeiro. E não falo da idolatria óbvia às imagens e esculturas de Cristo, mas da falsidade das nossas mentes e corações. Muitos cristãos fazem orações vazias ou "queimam incenso da forma errada."
Transformam tudo em um ritual: ir para a igreja, cantar louvores, orar, ouvir a pregação, voltar pra casa, dormir, ir para o trabalho e etc.
A verdade é que de tanto repetirmos a mesma coisa toda a semana, deixamos tudo no automático, paramos de pensar no que estamos fazendo, paramos de sentir e de nos dedicar. E assim acabamos nos transformando em idólatras, pois nossos louvores, orações e súplicas não são mais para o Criador, são para outra parte qualquer da criação, muitas vezes para o nada. São exemplos disso: cantar sem prestar atenção nas letras ou sequer entendê-las, repetir, mecanicamente, as mesmas coisas toda vez que ora ou olhar para o púlpito e pensar em tudo com a voz do pregador como música ambiente/ de ninar. Parece engraçado, mas esse é o tipo de coisa que vai minando, sutilmente, a caminhada cristã.
Cuidado com o hábito e com os rituais. Não aja como o povo de Israel, pois está escrito " E que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo." (2ª Coríntios 6:16).
Sigamos o exemplo de Ezequias. Temos que acabar com os nossos rituais e ídolos. Se nossas orações são vazias, devemos nos colocar de joelhos e clamar a Deus com toda a sinceridade de nossos corações. Se não sabemos quem louvamos e o que cantamos, temos que buscar verdadeiramente a Deus, procurar conhecê-lo na sua Palavra e entendermos tudo o que conseguirmos sobre sua divindade. Quando não queremos, ou não mais conseguimos, ouvir falar sobre Deus e o que Ele quer nos dizer através dos seus servos, então provavelmente já estamos frios e distantes, fracos na fé, apoiados na mais fraca fundação. Nessa hora, só nos resta pedir ajuda aos irmãos e amigos na fé, aos líderes e, principalmente, ao próprio Deus, por meio de seu Filho, pois o fardo dele é leve e o seu jugo é suave (Mt 11:28-30). E assim devemos continuar caminhando. Por mais estreito que seja o caminho é ele que nos leva à presença do Senhor no presente e na eternidade. Deus seja louvado.
Excelente. Sola Gratia.
ResponderExcluirExcelente. Sola Gratia.
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